03 outubro 2012

Acordar...

Vou tentar descrever o que eu senti e pensei durante os primeiros 3 meses, após ter acordado do coma vígil, no qual me encontrava.

Não é fácil mexer nas gavetas antigas e arrumá-las no sítio correto. Verifiquei como é difícil reviver todas aquelas memórias que já estavam adormecidas, o que me fez ficar um bocado relutante em fazê-lo. É claro que agora não as vivo com a mesma intensidade. Vou falar numa realidade, que é a mesma de centenas de casos semelhantes ao meu. Ninguém nos dá a devida atenção e arrumam-nos a um canto, porque surge um médico ou uma equipa médica, que se lembra de dizer que já não há nada a fazer, por isso mandam­-nos para casa ou para lares, como vegetais, onde acabamos o resto dos nossos dias.

Com certeza tive algum anjo da guarda que me ajudou nesta caminhada. O médico quis mandar-me para casa acamada, a comer por um tubo e explicou-nos que iria uma assistente social ou enfermeira a casa, ensinar-nos como lidar com a situação, que era a nova realidade para todos. Felizmente, a minha família interveio neste processo, a minha mãe confrontou os médicos e exigiu que eu ficasse no hospital e tivesse a reabilitação adequada para o meu caso. Já que não me tinham socorrido no tempo certo, agora tinham que fazer alguma coisa por mim, visto que eu tinha entrado pelo meu próprio pé no hospital.

Tive muitos pensamentos, pois a minha cabeça estava muito confusa e com alucinações. Não tinha consciência do que me tinha realmente acontecido, só passados uns 3 meses, é que comecei a ter a noção, com a ajuda de muitos estímulos exteriores e fisioterapia.Acordei em pânico total, não via nada, não conseguia comunicar (a minha mãe diz que eu fazia uns grunhidos que se ouviam no piso todo onde estava internada), ora sentia-me encharcada com o calor, ora sentia um frio de rachar, não sabia mesmo o que se tinha passado.

Pensamentos… julgava que estava morta e nunca mais me vinham buscar, pois aquele cenário todo, que estava na minha cabeça, parecia uma espécie de purgatório.



Não tinha a perceção do meu corpo, nem do que me rodeava, o meu pensamento era que estava dentro de uma botija de gaz, pois sentia-me muito apertada e só conseguia mexer a cabeça e mal.

Era o pânico querer comunicar e não conseguir, porque na minha cabeça, eu sabia muito bem o que queria, mas não conseguia comunicar, até arranjarem uma forma de o fazer. Primeiro através do piscar dos olhos para dizer sim ou não, o que foi uma grande confusão para a minha cabeça. Muito mais tarde, diziam o alfabeto e eu mandava parar nas letras que eu queria e assim construir a palavra que queria dizer, só assim conseguia obter o que desejava, o que me permitiu acalmar, mas pouco.

Passei tanta sede que sonhava com rios a correr, pensava que as torneiras todas do mundo tinham ficado sem água, só mais tarde percebi que, se me dessem água, podia fazer um broncoespasmo e sufocar.

Sentia que a minha cama estava cheia de picos e os pés apertados, mais tarde percebi o porquê. Eu ia descendo na cama, e os pés ficavam entalados.

Havia um senhor padre que ia visitar os doentes e rezava à beira das camas. Eu ficava muito perturbada, o senhor com certeza não o fazia com essa intenção, mas eu pensava que estava morta, deveria querer a salvação daquele sofrimento que estava a passar.

Os banhos eram uma maravilha mas também uma grande confusão. Parecia uma chaleira com água aquecida e eu andava ali aos tombos na banheira, mas sabia bem, porque me relaxava os músculos e eu ficava mais calma, até me punham perfume e deixavam-me aconchegada. Isto acabou quando fui transferida para o hospital da Ordem Terceira, pois os banhos eram dados na cama, e por isso, ganhei uma escamação no corpo todo e tive de cortar o meu longo cabelo, quase todo. Nessa altura a minha preocupação era a comichão que sentia principalmente na cabeça, lembro-me de pedir para me coçarem, pois não conseguia, até ficar quase careca.

Vou acabar com choraminguices, porque estas memórias fazem parte do passado e este já la vai. Se me apetecer voltar a falar acerca desta fase da minha vida, eu volto a escrever sobre o assunto.

 

 

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