05 abril 2014

Os medos..

Optei por escrever acerca do suposto medo, cujas pessoas que não trabalham comigo diariamente dizem que tenho, que não me aventuro, que tenho pouca vontade de fazer as coisas, etc., não que dê muita importância a este assunto, mas fica um bichinho a roer. Atualmente, costumo calar-me e tento não pensar muito sobre isto, fazendo assim um esforço quase sobrenatural. Mas nem sempre fui assim, de imediato começava a disparar para todas as direções, no entanto percebi que a única pessoa a quem tenho de dar explicações é a mim mesma.

Somente pessoas que desconhecem o processo de reabilitação neurológica têm esta opinião, mas se tivessem acesso a alguma informação ou se procurassem informação acerca desta matéria para tentarem perceber melhor o processo pelo qual estou a ultrapassar, mesmo assim não ficariam completamente elucidadas, porque cada caso é um caso, cada corpo reage de modo diferente, porque não há dois casos neurológicos iguais, a ausência de informação provocada pela lesão cerebral é diferente e nestes anos de reabilitação já vi muitos casos, reagindo cada um de modo diferente.

É próprio da natureza, fazendo assim parte da essência do ser humano e não só, quando estamos perante uma situação diferente ou estranha, reagimos através da ativação dos nossos mecanismos de alerta e posteriormente de defesa, somente as crianças estão desprovidas desta campainha interior porque o seu cérebro não está formatado para situações de alarme.


No meu caso, cada movimento que adquiri foi fruto do meu trabalho e persistência. Cada movimento que adquiri, até estar cimentado e tornar-se automático teve de enfrentar muitos precipícios. Por exemplo estar sentada numa cadeira era um drama porque o meu cérebro não continha essa informação, aliás ele estava desprovido de quaisquer informações motoras. Todas as etapas de evolução têm estes precipícios, parece que estou a enfrentar o abismo porque são estímulos novos e o meu corpo reage de várias formas, isto é, fico sem saber como reagir a uma cada situação nova e a cada estímulo novo, com os quais sou confrontada todos os dias.


Ponderando bem a minha evolução e todo o trabalho que tenho feito para chegar a este patamar, desta luta diária, não admito comentários ou mesmo críticas, a não ser que sejam construtivas para haver harmonia e amor em meu redor, e felizmente, as pessoas que estão realmente comigo proporcionam muito amor em meu redor, por isso apesar da minha condição física sou feliz mas também faço por o ser, dando assim importância aquilo que realmente vale a pena, porque a vida não é sempre uma festa, ela é feita de momentos de felicidade.  

Pequenas grandes vitórias

Vou escrever sobre as minhas pequenas grandes vitórias recentes.

Consigo finalmente rastejar no tapete fazendo a dissociação das cinturas pélvicas e escapulares, isto é, fazer movimentos com a cintura e os ombros de modo mais harmonioso e coordenado, conseguindo desta forma fazer melhor as transferências de peso para ambos os lados.

Já consigo estar semi-ajoelhada à esquerda e à direita, durante algum tempo, permanecendo alinhada e deste modo sentindo-me equilibrada. A partir da posição semi-ajoelhada também consigo assumir a posição em pé e ficar equilibrada, bastando para isso uma referência, como por exemplo, olhar fixamente para um objeto em frente.

Há pouco tempo comecei a ter noção do meu corpo de uma forma mais automatizada. Existem partes do meu corpo que parecem estar mais representadas no meu cérebro, sinto que está mais acordado em relação há umas semanas atrás, tenho mais a perceção da parte direita do meu corpo, o que é bastante bom, como consequência a marcha tornou-se mais fluída porque estão a ser solicitados músculos que há muito tempo não trabalhavam, músculos estes que nem sabia que os tinha, são cá umas dores, parecem choques elétricos.

Também comecei a perceber que os meus pés têm um papel fundamental na marcha, como estão menos espásticos consigo adaptá-los ao piso (consigo sentir melhor a parte de dentro dos pés, antes o meu cérebro só reconhecia a parte de fora dos meus pés), devido ao fato de a cintura pélvica estar mais maleável e outros fatores. Isto permite-me toda esta evolução que só foi possível porque há muita dedicação de quem me acompanha no dia-a-dia e graças à minha persistência e daqueles que me ajudam nesta caminhada. Consigo perceber certos movimentos que antes não percebia que existiam, apesar de serem solicitados, só agora consigo executá-los.

Com a melhor conceção do meu corpo, a visão melhorou bastante, quer na acuidade visual, quer em nos campos visuais, permitindo-me executar tarefas que eram impossíveis de realizar, deixando-me bastante contente e satisfeita e com vontade de continuar a lutar e conseguir a minha independência. Aliás acho que o fato de estar a recuperar a visão à medida que tenho mais perceção do corpo é uma grande alavanca para continuar esta batalha que tenho de enfrentar todos os dias.

É claro que as pessoas que não estão diretamente envolvidas na minha recuperação e só querem ver resultados imediatos e práticos, não procuram saber e nem conhecem nada de neurologia, dando a sua opinião, dizendo que já é altura de caminhar sozinha sem ninguém por perto, dizendo que tenho é medo e pouca força de vontade, eu proponho colocarem-se no meu lugar e sentirem o que sinto e pensarem um pouco no que estão a dizer, tento ignorar, mas não e fácil fazê-lo, talvez escreva acerca deste assunto mais tarde, se me apetecer.