11 novembro 2012

Comunicar


Comunicar foi uma das tarefas mais difíceis que tive de enfrentar no início.

Quando estava no chamado “coma vígil” era o pânico total, porque quem estava à minha volta falava comigo, eu queria responder, mas não conseguia. As coisas estavam claras na minha cabeça, mas não conseguia transmitir o que queria dizer e também não percebiam o que eu estava a tentar dizer.
Era tudo uma grande confusão, pois eu não sabia o que me tinha realmente acontecido, e além disso, a minha falta de visão, na altura, também não ajudou.
 Comecei a comunicar através das letras do alfabeto, como já referi na mensagem “Despertar”.
A primeira palavra que pronunciei foi: “mãe”, pois a minha mãe estava sempre presente. Ela falava comigo, costumava ler-me um livro (cuja personagem principal era uma pessoa ativa, assim como eu era antes do acidente, o que fazia com que eu me identificasse nela), punha-me a ouvir as músicas de que eu gostava, etc., ela não descansou nesta fase.
Em seguida, comecei a pronunciar sons e outras palavras, e quando o fazia, todo o meu corpo tremia, pois usava os músculos todos para conseguir falar. Mesmo assim, quase ninguém percebia o que eu estava a dizer, exceto a minha mãe, o meu pai, o meu irmão e as pessoas que lidavam comigo diariamente no hospital da Ordem Terceira, onde estive internada até ir para Alcoitão. Essas palavras que fui aprendendo a dizer referiam-se a coisas que necessitava naquele momento.
Por exemplo, eu dizia a letra “A” quando me queria referir à água. Isto foi muito importante, pois passei muita sedinha e não percebia porquê, como já expliquei na mensagem “Despertar”. Foi a partir deste momento, que comecei a beber água com o auxílio de uma escova de dentes molhada.
Pronunciar a palavra “manta” foi essencial, porque tinha alterações da temperatura corporal. Como tinha muitos espasmos, estava sempre a destapar-me e depois tinha um frio de rachar.
 A palavra “otite” também foi importante, pois assim os enfermeiros perceberam que eu estava com dores no ouvido, podendo finalmente dar-me medicação. Só muito mais tarde percebi que estas dores nos ouvidos, talvez fossem provocadas pelas sessões de fisioterapia, uma vez que estas desafiavam o ouvido interno que contribui para o equilíbrio.
Poderia enunciar inúmeras palavras que também foram importantes, mas destaco apenas estas porque foram as primeiras. Depois, nunca mais parei de dizer novas palavras, finalmente podia falar.
Resumindo, claro que não comecei a falar claramente, mas quem me acompanhava compreendia o que eu dizia e isso bastava. Seguiram-se centenas de sessões de terapia da fala durante vários anos, mais adiante voltarei a falar acerca destas sessões.
É espantoso como o nosso cérebro é inteligente, digo isto porque as primeiras palavras que disse referiam-se a necessidades básicas que precisava no momento, o que significa que o nosso cérebro em situações extremas consegue adaptar-se.
Comunicar foi essencial na minha reabilitação. Permitiu interagir de forma eficaz com os meus terapeutas, existindo assim um feedback mútuo, o que foi muito importante.

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